Um machista lá em casa

Não sou militante do movimento feminista, porém, como militante de esquerda, tenho conhecimento de sua luta e suas pautas, ainda que nem sempre com a profundidade que eu gostaria. Já ouvi da boca de algumas feministas, em vários eventos, congressos, seminários, encontros e reuniões, que a luta contra o machismo se dá em toda a sociedade. A formação do Estado brasileiro, calcada na cultura do patrimonialismo e do patriarcado, deu origem a uma sociedade extremamente machista. A opressão e submissão das mulheres à vontade dos homens foi internalizada por ambos ao longo dos últimos séculos a ponto de muitas atitudes machistas ainda serem vistas como normais pela grande maioria da sociedade, ou seja, pela grande maioria de todos nós.

Bom, até aqui estamos todos ouvindo atentos e balançando ocasionalmente nossas cabeças de maneira afirmativa. De repente, a certa altura do debate, alguma feminista diz que o enfrentamento ao machismo é muito difícil, sobretudo dentro de nossas entidades, de nossas casas, com nossos companheiros militantes. Opa! Espera aí, como assim machismo na minha casa? Eu sou contra o machismo! Certamente essa mensagem não é para mim, penso comigo, mas é triste saber que isso acontece e é praticado por aqueles que dizem combatê-lo.

É nesse momento que, certo das minhas convicções, volto para casa pra compartilhar com minha esposa todo o acúmulo teórico recebido. Ao chegar, como bom marido que sou, pergunto retoricamente sobre como foi o dia dela e enquanto ela responde vou recolher a roupa estendida no varal, ou colocar o café para passar, e vou dar atenção para os nossos filhos. Caramba, eu realmente sou um bom pai e marido, pois ao chegar em casa após um longo dia de trabalho ainda ajudo nas tarefas domésticas e tomo conta das crianças. Tudo bem, tudo normal, como deve ser.

Aqui, todavia, não me dou conta da quantidade de coisas que ela fez. Apenas cheguei em casa e a encontrei limpa e arrumada, com nossos filhos bem cuidados. Não percebo que para isso ela varreu, passou pano, tirou o pó, lavou a louça e a roupa, limpou o banheiro, colocou as coisas no lugar e arrumou a bagunça. E como se não bastasse, fez tudo isso com duas crianças pequenas em casa, sendo uma delas um bebê de colo que precisa ser amamentado e demanda de uma atenção maior. Então ela vira para mim e diz: “chega, eu não aguento mais isso!”.

Como assim? Nós nos amamos, temos uma família linda com filhos maravilhosos, somos militantes e defendemos nossas bandeiras, eu ajudo em casa e com as crianças dentro do possível. Oras, na minha cabeça está tudo certo. Aí ela me diz que o problema é justamente esse: a minha cabeça, a forma como vejo tudo isso. Com duas perguntas ela me quebra: em sua opinião de quem é a responsabilidade principal de cuidar dessa casa? Para você, quem é o principal responsável por essas crianças?

Eu paraliso. Eu sei qual é a resposta certa, dentro das minhas convicções militantes, para essas perguntas, mas em silêncio decido ir até o mais íntimo do meu ser para encontrar a resposta óbvia e inconteste: É VOCÊ.

O tempo para naquele exato momento em que ela me diz a verdade que agora estou pronto para aceitar: VOCÊ É MACHISTA!

E ela está certa, pois mesmo conhecendo o debate feminista e todo o histórico de opressão das mulheres isso não foi suficiente para mudar minhas atitudes e quebrar com os paradigmas machistas internalizados em mim, oriundos da criação recebida de uma sociedade ainda muito machista. Conhecer essa verdade é o ponto de partida para iniciar um processo longo de mudança de atitude para extinguir minhas práticas machistas.

Felizmente sei que posso contar com minha companheira nessa luta. Ela que já me ensinou a lição mais valiosa que poderia aprender sobre isso: a luta contra o machismo precisa começar dentro de nós mesmos.

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